sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

the wolf of wall street (o lobo de wall street)



ontem, quando escrevi este post sobre leonardo dicaprio, o fato motivador que foi o estopim para escrevê-lo foi ter acabado de assistir o filme the wolf of wall street. mas a ideia nunca foi analisar o filme em si, sua história, seu roteiro, sua produção ou a mensagem passada... a ideia era falar sobre leonardo dicaprio no filme, sobre a minha relação de admiração pelo seu trabalho como ator e sobre o processo histórico de construção desta relação.


isto dito, hoje me deparei com um texto muito interessante escrito no guia de sobrevivência do soteropobretano, fazendo não exatamente uma análise do ~filme~ como produção artística, mas da ideia por trás. não sei se concordo com cem porcento do que tá escrito, mas achei uma reflexão interessantíssima, então copio aqui no blog o texto na íntegra, igualzinho ao que foi publicado aqui.

Houve um momento emblemático na minha sessão de ‘O Lobo de Wall Street’. Jordan Belfort – o ‘lobo’ do título, vivido por um Leonardo DiCaprio com talvez a melhor interpretação de sua carreira - , um dos personagens mais desprezíveis da história recente do Cinema, explica com riqueza de detalhes todo o trabalho sujo que faz à frente de sua empresa: basicamente, enganar compradores num esquema fraudulento de venda de ações fuleiríssimas como se fossem o último biscoito do pacote. Trata-se de uma cena milimetricamente construída, com texto afiado, preciso, e a meu ver impecável, mas que deixa claro ao espectador que, não obstante toda a atmosfera de sedução presente naquele breve monólogo, estamos falando acerca da possibilidade de se ganhar rios de dinheiro sim, mas induzindo outras pessoas a erro. O protagonista é explícito quanto à sua opinião sobre como ser rico necessariamente é ser um vencedor, e também como alguém não pode ser vencedor se não for rico – e nesse ponto, ele chega a descrever a noção de fracasso com exemplos que vão do funcionário da McDonalds ao pai de família com a esposa indo num supermercado. Para ele, a vitória está obrigatoriamente atrelada ao dinheiro e ao poder de compra que ele dá ao seu detentor – sejam carros, iates, mansões, drogas, ou mulheres exuberantes. E ao final desse discurso, a mulher sentada ao meu lado tirou os cotovelos do braço da poltrona, e começou a aplaudir tudo o que tinha acabado de ouvir. 


O roteiro não faz concessões à história que se propõe a contar. Desde o início, percebemos que a produção não está endeusando as atitudes dos seus personagens, mas sim expondo com sutileza todo o ridículo e absurdo daquele circo que envolve arremesso de anões no intervalo do trabalho, orgias regadas a cocaína, e uma sequência fantástica onde Belfort pergunta o salário anual do agente federal que está investigando suas falcatruas, para logo em seguida pegar exatamente aquela quantia em dinheiro e jogar pelos ares na frente do seu algoz, num gesto extremo de arrogância que revela precisamente a mentalidade do protagonista – não importa se ele está sob investigação, ou se o mundo quer vê-lo atrás da grades, ele é superior porque é poderoso, e é poderoso porque pode pagar por isso. Ponto.

E esse é justamente o maior “perigo” em ‘O Lobo de Wall Street’. O filme é baseado numa história real, e dividiu opiniões pelo mundo – houve quem o idolatrasse, e houve quem saísse no meio da exibição, nesse caso alegando que a história estaria sendo cúmplice do bandido e incentivando negativamente as pessoas com todo aquele descaramento. Aos que se encaixaram nesse segundo grupo, eu peço que assistam novamente: todos os excessos inacreditáveis dos personagens, como bem esclareceu o diretor diante das críticas, nada mais são do que um espelho do próprio modo de vida norte-americano. Pode incomodar os espectadores mais ortodoxos, pode ser obsceno, pode ser sádico, e pode ultrapassar todos os limites do nojo, mas nada da essência do que está ali foi inventada da cabeça de um roteirista oligofrênico. 


Já aos que se encaixam no primeiro grupo, se faz necessário estabelecer uma nova distinção, dessa vez entre os que adoraram o filme em seu conjunto, por suas qualidades artísticas e técnicas, e aqueles que curiosamente se identificaram com os ‘ideais’ dos personagens, a exemplo da minha vizinha de poltrona da sala do cinema, que aplaudiu descontroladamente o discurso impactante do protagonista. Claro que ela - e qualquer outra pessoa - tem o direito de aplaudir o que quiser, e de ter a ideologia que lhe convir (ainda que seja apenas a de ganhar dinheiro), mas essa cena não deixa de revelar um pouco sobre a falta de referenciais da nossa sociedade hoje. Nas prateleiras das livrarias acumulam-se livros sobre como passar num concurso público (por sinal, a seção ‘Concursos Públicos’ ganhou nome próprio, estante própria, e agora é praticamente um gênero literário, algo impensável alguns anos atrás). Palestras motivacionais de auto-ajuda proliferam-se pelo País (e aqui não estou criticando a auto-ajuda em si, mas como boa parte delas aborda a questão do sucesso financeiro como o mais alto grau de realização na vida de um ser humano). Igrejas multiplicam o rebanho de fiéis sob a lógica da prosperidade. E isso só para citar alguns poucos exemplos sobre esse comportamento doentio de alguns em busca de um salário superior, da posição de maior prestígio, da aceitação dos outros, e claro, do ter sempre mais.

Estou tentando nesse post não tecer qualquer julgamento sobre quem pensa assim (mas não dá, de uma forma ou de outra acabo julgando), então só para amenizar o clima, vou contar uma historinha sobre minha vó: ela nasceu em Ubatã, no interior da Bahia, ainda na adolescência foi trabalhar na casa de uma família da cidade, teve um filho, o criou com o salário de doméstica, se mudou para Salvador, e morreu aos 60 e poucos anos sem saber ler nem escrever sequer o próprio nome. Aos olhos de Jordan Belfort (e da moça que aplaudiu o discurso dele, e de todos que aplaudem discursos semelhantes, ainda que menos escancarados), minha vó foi uma derrotada. Nunca teve dinheiro, nunca conseguiu estudar, e passou por esse mundo sem ter realizado grandes feitos. Mas dentro dos limites, foi uma senhora feliz, querida pelos amigos, e cuja satisfação pessoal se dava com detalhes como uma missa de sábado na paróquia, e a chance de acompanhar a novela das 8. Uma vida desoladora para muitos, mas que na medida do possível, foi ótima para quem a viveu.

Não quero com isso incentivar o que alguns chamariam de mediocridade. Mas como eu já divaguei demais e mudei o rumo do post (que aliás, é só uma dica para que vocês assistam o filme), aproveitei a oportunidade para fazer essas observações. E é interessante notar como esse discurso do sucesso parece ser ainda mais nítido junto à classe média – regra geral, pais investem tudo o que podem nos filhos para que eles deem frutos (trocando em miúdos, para que retornem financeiramente tudo o que foi investido). Não se admite que um filho da classe média seja mais pobre do que o pai (o eterno medo de ‘baixar o nível’). É inconcebível que o filho, com tantos anos de estudo, e cursos de especialização, e aulas de inglês, e informática – enfim, com todas as ‘oportunidades’ que o genitor não teve – ganhe pouco (nesse ponto, presto minha solidariedade pessoal aos meus amigos talentosos que correram atrás do sonho de fazer jornalismo, publicidade, psicologia, história, arquitetura e outras graduações, e que hoje sofrem com essa urgência da necessidade de sucesso financeiro, cogitando já abandonar as carreiras em favor da estabilidade de um cargo público). Na prática, no termômetro atual de felicidade, sua realização profissional não é medida pela satisfação com seu trabalho, mas pelo limite do seu cartão de crédito – a título ilustrativo, uma vez perguntei a uma colega que havia prestado vestibular pra medicina por quatro vezes se não seria mais fácil desistir daquela ideia e tentar outro curso da área de saúde, ao que ela me respondeu com uma rara honestidade que não, porque nenhuma outra profissão da área lhe daria o respeito de ser uma médica. E lá partiu ela para o quinto vestibular.

O que quero dizer com tudo isso, com o exemplo da minha vó, com os seguidores de Jordan Belfort, e com a mulher que o aplaudiu no cinema (e que chorou quando ele é preso, esqueci de mencionar) é que tudo parece meio fora de ordem. Louva-se a mulher que se torna executiva de uma empresa, mas não se exalta a dona de casa que carrega uma família nas costas (talvez não economicamente, mas nem por isso ela seria menos importante). Um ator desconhecido que se identifica como ator logo é questionado com um ‘Sim, mas o que você faz além disso pra viver?’ Jovens saem cada vez mais tarde da casa dos pais, e demoram ainda mais para entrar no mercado de trabalho, porque ‘não podem’ ocupar postos que paguem pouco. Reclama-se no almoço sobre como a empresa está pagando uma miséria de salário, enquanto a faxineira diarista escuta a conversa na cozinha. A verdade é que ‘O Lobo de Wall Street’ caminha por um terreno perigoso – daí o fato de ser tão magnífico. Sem abusar de maniqueísmos, e sem cair no mimimi, o filme narra toda a megalomania e a ganância voluptuosa do seu protagonista: ele ganha dinheiro, ganha outra quantia de dinheiro, ganha mais ainda, e quando ele já tem a mansão mais cara, a mulher mais linda, e o iate mais sensacional, ele decide que precisa continuar ganhando. E numa analogia barata, e guardadas as devidas proporções, o mundo não só está cheio de Jordans Belforts por aí, como em geral estimula a sua mentalidade. ‘Vencer’ virou a palavra da vez, mas esqueceram de nos dizer o seu significado. É ter dinheiro? Quanto? O suficiente para comprar a casa própria? Ah, tem que ser apartamento? Cabula não pode, só Imbuí? Pra que Imbuí, se você pode ir pro Alphaville? Cara, Alphaville é coisa de emergente, rico de verdade mora na Vitória, não? Mas velho, de que adianta morar na Vitória se não é de frente pro mar? E daí que você mora de frente pro mar, se seu prédio não tem píer? Rapaz, você tá aí no píer, mas bom mesmo é Fulano que tem lancha no Bahia Marina, cadê a sua? Mas meu filho, agora que já comprou a lanchinha, falta ainda ter a ilha particular na Baía, né?

Ser um vencedor virou um fim e um meio simultaneamente. É um fim porque todos nós precisamos ‘vencer’ para ser alguém nessa vida. É um meio porque todos nós precisamos ir além quando conquistamos alguma coisa, e estabelecer outra meta a ser alcançada quando vencemos a anterior. E nesse samba do crioulo doido, ninguém mais sabe quem saiu perdendo.

OBS.: Aquela minha amiga perdeu o vestibular pra Medicina pela quinta vez.

então é isso, acho que valeu a leitura e espero que ela provoque uma pausa para reflexão, como fez comigo.

por último, este texto me fez lembrar de duas coisas: a minha análise do filme meu nome não é johnny e um livro chamado status anxiety, do filósofo contemporâneo, alain de botton, mas estes paralelos e estas análises vão ficar guardadinhos na gaveta para eu talvez? quem sabe? escrever em outro momento.