segunda-feira, 21 de setembro de 2015

quem tem medo de stephen king?
(ou: stephen king para céticos)


Às vezes Stephen King tem pesadelos... 

em homenagem ao aniversariante do dia, que hoje completa suas 68 primaveras, este post vai ser o inteirinho dedicado ao mestre do horror, STEPHEN KING!!!

eu sou apaixonada por este senhor de olhinhos apertados, sorriso fofo e criações apavorantes desde a adolescência, quando um amigo da escola me descreveu o enredo de um de seus contos. foi uma coisa tão marcante que até hoje eu me lembro direitinho do lugar da escola em que nós estávamos e de todos os detalhes da cena. ele tinha lido a história em um livro de contos emprestado por um outro amigo nosso que, por sua vez, havia conseguido o livro emprestado meio clandestinamente do seu então professor de guitarra. afinal, nós tínhamos 13 anos e que pai ou mãe, em sã consciência, deixaria seu filho ler um livro chamado 'pesadelos e paisagens noturnas'? lá fui eu atrás do garoto que detinha o tal livro, peguei ele emprestado e foi amor à primeira leitura!

the KING of my shelf
hoje em dia, muitos anos, muitos livros, muitos romances, muitos contos, muitas novelas, muitas adaptações cinematográficas, muitas leituras, muitas releituras, muitas compras online, muitos garimpos de sebo, muita propaganda, muitas conversas, muitas resenhas, muitas fotos no instagram, muitas vendas e um treinamento ministrado depois, resolvi fazer aqui pra vocês uma listinha, já que eu sou bem chegada nesse negócio de relacionar as coisas!

tentando romper um pouquinho com o paradigma que muita gente tem de que king escreve sempre sobre coisas sobrenaturais (eu acho que, na verdade, ele sempre escreve é sobre ~gente~ e sobre como ~pessoas~ reagem diante do sobrenatural, mas isso é assunto para uma outra conversa), eu quero fazer uma lista de obras sensacionais de king em que não há nada de fantástico, monstruoso ou sobrenatural.

O pequeno Stephen King lê a
sua primeira história na aula.
vamos deixar de lado um pouquinho a telecinesia de 'carrie', os zumbis de 'celular', a magia de 'a maldição do cigano', o palhaço (?!) de 'a coisa', as ressurreições de 'o cemitério', os monstros de 'o nevoeiro', o carro assombrado de 'christine', a paranormalidade de 'o iluminado', a viagem no tempo de 'novembro de 63', os vampiros de 'salem's lot' e os wtf?! de 'desespero'. hoje esse pessoal todo vai ter um descanso, porque o assunto aqui serão algumas obras de stephen king que não tem nada de fantasia e que são tão ficcionais quanto qualquer novela urbana contemporânea da televisão.

se você é desses que não acredita em nada, cético, cínico, desconfiado e que não quer saber de monstros embaixo da cama nem mesmo em literatura de ficção, essa lista foi feita pra você mesmo! para você quebrar paradigmas, deixar preconceitos de lado e aproveitar a delícia que é ler o mestre stephen king! nessas histórias listas aí embaixo, o que realmente dá medo em que lê são pessoas! e eu espero que você se divirta tanto com isso quanto eu!


a lista com os meus top 10 stephen king's que não tem nada de sobrenatural está aí embaixo, é só clicar pra ler! =D



10. o corpo (quatro estações)

muita gente não sabe disso, mas aquele filminho fofo, meigo, bonitinho, emocionante e que cansou de ser reprisado na sessão da tarde, 'conta comigo' (stand by me), nada mais é do que a adaptação da novela de stephen king 'o corpo', publicada na compilação 'quatro estações'. mais especificamente, essa era a terceira novela do livro e recebeu o nome de 'outono da inocência'. (sim, cada uma das quatro novelas do livro 'quatro estações' recebeu o título de uma das estações do ano.)

o enredo é ridiculamente simples. um grupo de amigos ficou sabendo que numa área próxima à cidade onde eles moram foi descoberto um cadáver e resolve ir até lá só pela curiosidade de ver um corpo de perto. nessa peregrinação, eles acabam se envolvendo em altas confusões e grandes aventuras (desculpa, não resisti!) e desenvolvendo um forte laço de amizade. é uma historinha lida, super simples, super mundana, sem nada de sobrenatural, mas que conquista o coração de quem lê pela profundidade daqueles personagens, mesmo crianças, e pela riqueza das relações entre eles. além, é claro, da já falada maravilhosidade da escrita do rei, né?






9. misery



mais uma vez, é um caso em que o filme ficou beeeemmmm mais conhecido do que o livro, o que eu até entendo, já que kathy bates é um monstro de atuação! isso acontece um bocado quando se fala de stephen king e não é raro ouvir a expressão “um filme de stephen king” para se referir à adaptação de uma obra sua, mesmo quando estas são obras de gênios do cinema como frank darabont, stanley kubrick ou brian depalma.



o livro fala do escritor famoso de uma série de livros cuja protagonista se chama misery e que tem uma legião de fãs que vive uma relação quase de culto a obra. para o seu azar, o pobre rapaz sofre um acidente e quem o socorre é justamente uma das mais piradas fãs de misery! em princípio, ela cuida dele, mas fica despirocada quando descobre que no próximo livro ele vai matar a personagem. aí ela decide persuadi-lo a manter a personagem viva e continuar a série de livros e faz isso com muito jeitinho, amor e carinho, só que ao contrário. como eu disse lá em cima, é um livro sensacional e que serve pra lembrar a gente que o ser humano pode dar muito mais medo do que qualquer monstro ou fantasma!





8. o último degrau da escada (sombras da noite)

é um conto curtinho, simplesinho, nem um pouco famoso, não adaptado para o cinema, e que até se perde um pouco dentro de tanta coisa legal que tem no livro ‘sombras da noite’, a primeira compilação de contos lançada por stephen king. justamente por isso eu fiz questão de trazê-lo para essa lista, porque eu acho ele massa e quero que mais gente leia!

é a história de dois irmãos que, quando crianças, gostavam de brincar de subir uma escada de madeira enorme e muito pouco confiável que ficava no celeiro da fazenda da família para pular das vigas de láááá de cima e cair em cima de uma pilha fofa de feno. bem coisa de criança que não tem juízo mesmo. até o dia em que o último degrau dessa escada falseia e a menina sofre um acidente. os desdobramentos desse acidente definem o futuro daquela família e no final a gente vê que nem tudo o que parece ser bom é bom, assim como nem tudo que parece ser ruim é ruim. mais uma verdade da vida que stephen king joga no nosso colo!


7. aluno inteligente (quatro estações)

mais uma novela do livro ‘quatro estações’, esta chamada de ‘o verão da corrupção’. também foi adaptada para o cinema e virou o filme ‘o aprendiz’ (apt pupil), inclusive com o genial ian mckellen, mas este filme não chega nem perto da fama que tem algumas outras adaptações do king. eu não sei porque, já que, na minha humilde opinião, trata-se de uma história sensacional!

um garoto desses bem típicos de subúrbio americano de filme, loiro, bonito, inteligente, ótimo aluno, entregador de jornais do bairro, orgulho dos pais, estudioso, educado, carinhoso, dedicado, inteligente e tudo mais como manda o figurino, tem uma estranha obsessão por assuntos relacionados à segunda guerra mundial, ao holocausto e ao nazismo. até aí poderia se tratar de uma simples curiosidade de um aluno estudioso e dedicado, mas um dia ele descobre que na vizinhança vive um velho que é, na verdade, um ex-oficial da SS escondido e disfarçado, se passando por um velho imigrante alemão comum. essa descoberta mexe com a cabeça do ~aluno inteligente~ e a partir daí se constrói uma relação esquisita (pra dizer o mínimo) entre ele e o velho, que distorce muito a cabeça e a vida dos dois. em tempos de manifestações cada vez menos tímidas de racismo, homofobia, machismo, xenofobia, e até de neonazismo aqui no brasil (como assim, gente?!), considero essa quase uma leitura de utilidade púbica!


6. fúria

provavelmente o livro mais controverso já publicado por stephen king. originalmente, o livro foi lançado sob a autoria de ‘richard bachman’, um pseudônimo usado por stephen king nas décadas de 70 e 80, quando ele produzia demais (!) e o seu editor sugeriu que ele diminuísse o ritmo. se eu não me engano, ele publicou umas seis ou sete obras sob esse heterônimo.

‘fúria’ conta a história de um garoto do ensino médio que um dia vai para a escola armado, faz reféns, atira em colegas, mata professores, ameaça o diretor... infelizmente, uma história que hoje em dia parece quase banal, de tanto que nós já vimos nos noticiários. mas, para king, isso não tem nada de banal! quando aconteceu o “massacre de columbine”, ele não apenas proibiu a impressão de futura de qualquer outra edição desta obra, como também mandou recolher todas as que estavam disponíveis no mercado. dá pra compreender as razões que os levaram a fazer isso, mas, do ponto de vista da literatura, acho que se perde uma grande obra.

no brasil, ele foi publicado em uma compilação chamada ‘os livros de bachman’, que traz quatro dos romances publicados por esta persona e que, justamente por causa da proibição de ‘fúria’ e da sua raridade, custa uma fortuna. é dificílimo de encontrar em sebos e pela internet os preços dos livros usados são mais assustadores do que a história! eu tenho um exemplar que ganhei de presente há vários anos de um grande amigo (aquele mesmo de lá do início do texto, o que me contou a minha primeira historinha do mestre) e que deve ser o item mais valioso dentro da minha casa. vai constar do meu testamento com certeza!


5. a redenção de shawshank (quatro estações)

talvez o mais famoso “filme de stephen king” que as pessoas não sabem que é um “filme de stephen king”! quando se fala em adaptações cinematográficas de obras do mestre, todo mundo pensa logo em ‘o iluminado’ ou ‘carrie’, mas muita gente que torce o nariz para terror, sobrenatural ou ficção fantasiosa enche a boca para dizer que, ao contrário dessas bobagens de stephen king, ‘um sonho de liberdade’ (shawshank redemption) é um filmaço! profundo, emocionante, humano, dramático... hahahahaha fazem-me rir! mal sabe essa galera que, não apenas se trata de uma adaptação, como o seu diretor, frank darabont, é um fã de carteirinha de stephen king! é verdade que o filme é tudo isso aí mesmo e muito mais, que a direção é impecável, as atuações são brilhantes, que a trilha sonora é maravilhosa e que faz todo o sentido que ele lidere o ranking do imdb há séculos, não discuto. mas, muito antes de ser esse filmão, ‘a redenção de shawshank’ foi a novela da ‘primavera eterna’ que me deixou sem dormir querendo saber o que ia acontecer com andy dufresne, depois de passar uma tarde na livraria lendo pra fazer hora pro cinema e parando bem no meio da cena do telhado! tive de voltar lá no dia seguinte e comprar o livro! e foi assim que ‘quatro estações’ ficou sendo o primeiro king da minha estante, o primeiro de muitos!


4. ex-fumantes ltda. (sombras da noite)

mais um conto do mestre, provando que tamanho não é documento mesmo e que não é preciso um calhamaço para contar uma história sensacional! este, também publicado no livro ‘sombras da noite’.

é a história de um cara que se mete no meio de uma empresa muito esquisita que tem a pretensão de ajudar as pessoas a pararem de fumar e propagandeia a inacreditável taxa de 98% de sucesso. verdade seja dita, o rapaz vai atrás da tal companhia muito mais por curiosidade do que por desejo de deixar o cigarro, mas uma vez imerso naquela realidade, isso já não faz mais a menor diferença. a forma como a história se desenrola é fascinante, o final é maravilhoso e o conto inteiro tem um apelo todo especial para quem conhece a dificuldade de se libertar do tabagismo, seja por experiência própria ou por conviver com alguém que trava esta batalha.

existe uma adaptação deste conto para o cinema, ‘no smoking’, feita em bollywood e lançada em 2007, que eu ainda não vi, ma morro de curiosidade para ver, porque não conheço nada de cinema indiano e acho que deve haver um contraste interessantíssimo entre as cores, a dança e a alegria da arte indiana e a escuridão e o peso da obra de king!


3. jogo perigoso

um dos meus romances preferidos do mestre, um dos menos famosos e o que eu mais gosto de indicar às pessoas, justamente por resumir bem a ideia que eu estou tentando transmitir aqui com essa lista: stephen king não precisa de nada pra escrever um livrão! esse não tem monstro, nem fantasma, nem zumbi, nem et, nem vampiro, nem sequer tem um louco ou um vilão. é só um acontecimento fortuito e tudo que ele desencadeia!

um casal resolve fazer uma segunda lua-de-mel para tentar apimentar o casamento que vinha esfriando. aproveitam um final de semana de baixa estação e vão para uma cabana no meio de um bosque, numa área de veraneio que, àquela época do ano, está vazia e isolada, bem como eles querem. nessa intenção de esquentar as coisas, apelam para algemas e joguinhos (décadas antes daqueles tons de cinza lá, é bom que fique bem claro, hein?!), mas as coisas degringolam. o marido, depois de algemar os pulsos da esposa na cabeceira da cama e botar as chaves lá em cima da cômoda morre! (calma, não é spoiler, isso acontece logo na página 28 e eu já li o livro sabendo disso!)

e agora, josé? sozinha num raio de sei-lá-quantos quilômetros, acorrentada à cama, sem ter como ou a quem pedir socorro, o livro inteirinho é a história de uma mulher no maior perrengue de todos os tempos! não tem cena de ação, nem de briga, nem de medo, não tem ninguém conversando ou brigando ou ajudando, só tem ela. sozinha. o que parece o resumo de um livro chatíssimo é justamente o contrário, uma comprovação de que pra quem é rei qualquer história rende e fica boa!



2. sobrevivente (tripulação de esqueletos)


na minha modesta opinião, esse contozinho de nada, de humildes vinte-e-poucas páginas, com um único personagem em uma ilha deserta, com várias rupturas na estrutura narrativa, escrito em forma de diário, com fidelidade e lucidez altamente questionáveis do narrador e mais outras tantas ressalvas é a melhor coisa que stephen king já escreveu na vida! é claro que ainda me falta ler *muita* coisa da obra do mestre para poder falar com propriedade e é claro também que eu não tenho autoridade nenhuma para conceder este título a quem quer que seja por qualquer obra que seja, mas é isso que eu acho. ‘sobreviente’, conto publicado na compilação ‘tripulação de esqueletos’, é a melhor coisa que o mestre do terror já escreveu. e olha que a briga é feia!



o conto já mostra a que veio logo no início, quando propõe a reflexão “até que ponto um paciente que sofre um trauma mantém o desejo de sobreviver?”



o conto fala de um médico que tem, como ~atividade extracurricular~ traficar heroína em um jatinho privado, voando por aí. eis que um belo dia ele cai em uma ilha deserta e fica lá, sozinho, à espera de um resgate que nunca vem e tem de sobreviver com uma oferta limitadíssima de abrigo, comida e água, mas um farto estoque de heroína. a história é narrada pelo próprio náufrago e contada na forma de um diário que ele resolve escrever pra registrar a sua experiência na ilha. mais uma vez, o fato de se tratar de uma pessoa sozinha, personagem única da narrativa, ao invés de empobrecer, aprofunda e muito a história! e o fato de o narrador ser o próprio personagem e, ainda por cima, sob o efeito progressivo da fome, da desidratação e de doses cavalares de heroína, dá um tom ainda mais desconcertante e, por isso, delicioso ao conto!





1. o cadillac do dolan (pesadelos e paisagens noturnas)



aí você me pergunta “mas se ‘sobrevivente’ é a melhor coisa que king já escreveu, por que não está no primeiro lugar?”. bôua pergunta! e a resposta é simples. porque não basta ser a melhor leitura, tem que ser no melhor momento!



lembram que lá em cima eu contei que me apaixonei por king antes mesmo de ler qualquer coisa dele, simplesmente ao ouvir um amigo me contando uma das histórias? apois! o conto que me contaram e foi o estopim para uma relação de amor literário que já dura décadas foi justamente ‘o cadillac do dolan’, o primeiro conto do livro ‘pesadelos e paisagens noturnas vol. 1’.



acabou virando também mais um “filme de stephen king”, mas eu vou preferir deixar essa parte de lado, porque o filme não fez o menor sucesso e porque... bem... é ruim. não é péssimo, de sair do cinema no meio, mas fico feliz de ter visto em casa e não ter investido no valor do ingresso, porque olha... até a tradução do filme ficou, ó, uma bosta, porque de ‘dolan’s cadillac’ pra ‘sede de vingança’ a perda é significativa. mas vamos deixar o filme de lado e focar no conto, que é simplesmente sensacional!

apesar de ter sido publicado numa compilação de contos, ‘o cadillac do dolan’ é grandinho, não tão simples assim, e poderia tranquilamente ser chamado de novela. conta a história de um homem viúvo, que perdeu a esposa depois que ela foi ~eliminada~ por uma espécie de chefão do crime organizado contra quem ela testemunhou, o tal do dolan do título. alguns anos e muita amargura depois, este homem consegue pôr em prática seu plano de vingança. sabendo que o dolan é apaixonado pelo seu cadillac, sua ideia é enterrar o dolan vivo, com carro e tudo! para isso, ele cria um plano que parece aqueles planos infalíveis do cebolinha, só que muito mais do mal. a ideia é aproveitar um desvio na estrada para cavar um buracão no meio da pista, cobrir com uma lona pintada com o padrão da via, esperar o dolan passar e cair com seu cadillac dentro da sua “cova” e enterrar o carro com o homem vivo dentro. agora imagine só o trabalho, os perrengues, as dúvidas e as crises de consciência envolvidas em implementar essa empreitada sozinho! essa história me fascinou quando eu ouvi, quando eu li, quando eu vi o filme, todas as vezes que eu reli, e até hoje eu sou, além de apaixonada por ela, eternamente grata, porque foi esse carrão que me levou de carona para o maravilhoso mundo de stephen king!